Frei Simão

- José Lencastre -

1939

 

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O padre Simão, quando isto leu, o seu primeiro ímpeto, foi armar-se e ir tirar aquela ave implume, das garras dos abutres, mas depois acalmou-se, pensando nas promessas que tinha feito junto ao altar, aos pés de um ministro de Deus.


Que Deus se amerceasse da pobrezinha e a êle lhe desse fé, para resistir às tentações do Demónio. Foi para o seu convento, redobrando de piedade e penitências para que Jesus se apiedasse da infeliz.


Principiou a ver-se rondar o convento um indivíduo de mau aspecto, sempre de arma ao ombro. Era o « Facadas ».


-Se ao menos a minha morte lhe desse paz, eu de bom grado a daria, pensou.


Pouco depois o superior do convento chamou-o ao seu quarto e disse-lhe


-Frei Simão, tem que abandonar este convento porque se trama contra si grosso pecado. Eu não lhe posso valer porque são poderosos maus. Vá. Que Deus o guie e se um dia puder e sentir saudades do nosso conventinho, venha compartilhar da nossa regra. A sua cela cá o fica esperando...


Abraçou-o comovido e meteu-lhe na manga do hábito um saquitel, com algumas peças, de ouro. Nessa noite, à luz merencória da lua, tomou o bordão e a sacola com o indispensável, e lá saiu pela portaria do convento. Ao chegar a um serro, voltou o rosto para traz a contemplar pela ultima vez, Deus o sabia, o seu conventinho, cuja sineta chamava extraordinariamente os frades, a rezar pelo companheiro.


Mais ao longe estava o solar onde era martirizada a infeliz Branca. Despediu-se acabrunhado de saudades e pesadelos de revoltas. E foi assim que nós ó vimos aportar ao burgo, hoje Vale de Maceira, onde tantos serviços materiais e morais prestou.
E só o quarto dá sinal do frei Simão !


Aquêle penitente que se lhe ajoelhou aos pés era o "Facadas ", que, cheio de remorsos e ouvindo a fama do santo, vinha confessar-se e pedir perdão dos seus grandes pecados. .
Contou mais: que a menina, como não quisesse casar com o primo, morreu sequinha num quarto do palácio e que êle tinha sido o seu carcereiro.


Foi então que êle saiu do confessionário, indo pedir à Virgem bonança e, por noite velha, partiu para o seu conventinho que lhe acenava com a paz que outrora lhe tinha dado.


Nunca mais houve notícia de frei Simão, aquêle misterioso personagem que o ameno vale teve por hóspede, largos anos. A sepultura na sacristia e o quarto ainda hoje lembram as lágrimas a os soluços do infeliz.


Quantos êle ali daria e quantas lágrimas ali verteria? Eu, que sei a história do quarto e da sepultura, é que nunca ali vou que não pense naquele destino e pregunte à Virgem o fim daquele infeliz sonhador. Os romeiros que ali passarem lembrem-se, lembrem-se do benemérito do Santuário, que êle desejou aformosear e tanta alma chamou para aquela linda capela. Uma saudade, pois, por frei Simão !

 


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