Frei Simão

- José Lencastre -

1939

 

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Já lá vão muitos pares de anos, que um homem, ainda na flor da vida, bem apessoado a de formas viris, aportou a um pequeno casal, situado na encosta de uma serra, íngreme a coberta de matagais quási inacessíveis. O dia era inclemente: chuva, frio a vento, tinham vergastado o pobre caminheiro, que pediu abrigo no primeiro casebre que se lhe deparou, coberto de lousa e o cume colmado por causa das avalanches de. neve que caíam de inverno.


Os moradores acolheram-no muito bem, fazendo-o sentar no canto mais agasalhado da lareira, onde ardia uma grande pirâmide de cepas de urgueira, que espalhavam em volta um calor vivificante. Enquanto lhe enxugavam a roupa a escorrer água, foram-lhe, contando que aquele casal se chamava Póvoa de Pomares a pertencia à paróquia de Aldeia das Dez; que havia ali uma capela onde se venerava uma imagem da Virgem, cuja invocação era Nossa Senhora das Preces, muito milagrosa e muito venerada em fartas léguas em redor; que os romeiros eram aos cardumes em dias de romaria; que esta imagem fôra encontrada no cume do monte por uns pastorinhos, que apascentavam os seus rebanhos e a trouxeram para baixo, mas que ao outro dia lá a foram encontrar novamente. Fizeram-lhe uma capelinha e aqui outra mais espaçosa e rica, onde agora está.

 

Depois, deram-lhe farta tigela de mel uma broa para ir partindo e ensopando nele e uma garrafa de aguardente de medronhos, tudo para atirar com o frio fora do corpo, diziam.


A chuva acossada pelo vento, continuava a fustigar a porta e janelas da casa e a rufar estranha música nas lages do teto, enquanto a neve se peneirava e ia embranquecendo as terras em volta.


O peregrino, depois de enxuto o fato e confortado o estômago, desejou ir ver o enaltecido santuário de que tanto lhe tinham falado a estava a uns passos. Acompanharam-no pequenos a grandes; cobertos com capuchas de burel, para se abrigarem do temporal. Também deram um ao hospede a lá seguiram para a capela. Parecia uma comunidade de nova ordem com os seus hábitos vestidos, em procissão para «completas».


Ajoelharam ante o altar da milagrosa imagem e o peregrino, em voz alta, disse, palavras de saudação a agradecimento à Virgem, que deixaram admirada, aquela boa. gente serrana e inculta. Só em dias de romaria, ao evangelho, o pregador as sabia assim dizer.


Vieram outra vez para a lareira a como a ceia estivesse pronta, dispôs-se a larga mesa que se , estendia frontal enegrecido acima a se punha horizontal com os assentos que a circundavam. Todos ficaram aconchegados à mesa, vindo por baixo dela um calor agradável que beneficiava a aquecia os convivas.


Sobre ela estenderam alva toalha de linho a cheirar a alfazema a em cima malgas de barro vidrado, com risco azul em volta, cheiinhas de caldo de couves com feijão vermelho, a cheirar bem, a fumegar, a desafiar o apetite.


Esmigalharam-lhe broa por cima, que iam caldeando com garfo alentado de ferro. Depois grossa bacia de estanho cogulada de castanhas cozidas. Uma infusa cheia de vinho clarete a saltar, passava de mão em mão, enchendo cada um seu copo tosco de chifre a iam bebendo.

 

 


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